O tabuleiro geopolítico do Oriente Médio continua a se transformar, e uma das peças mais importantes, a presença de tropas americanas no Iraque , está prestes a mudar de lugar. Em um movimento que vinha sendo fervilhando, o Departamento de Defesa dos EUA, conhecido por todos como Pentágono, confirmou o que era um segredo aberto: a redução de seu contingente militar no país mesopotâmico. A justificativa oficial é o "sucesso conjunto" na guerra contra o Estado Islâmico (ISIS), um espectro que, embora dizimado, ainda projeta sua sombra sobre a região.
"Os Estados Unidos e seus parceiros de coalizão reduzirão sua missão militar no Iraque", afirmou o porta-voz do Pentágono, Sean Parnell, em um comunicado. A declaração não é acidental e busca enquadrar a retirada não como uma derrota ou um recuo, mas como o ápice de um trabalho bem feito. "Essa redução reflete nosso sucesso compartilhado na luta contra o Estado Islâmico e marca um esforço de transição para uma aliança de segurança duradoura entre os Estados Unidos e o Iraque", acrescentou a autoridade. A retórica é fundamental: ela se afasta da conversa sobre ocupação ou missão de combate para uma linguagem de cooperação e aliança estratégica. Uma mudança de pele necessária após mais de duas décadas de uma presença militar que gerou estabilidade e caos fenomenal.
Segundo Washington, esta nova fase "fortalecerá a capacidade do Iraque de alcançar desenvolvimento econômico, investimento estrangeiro e liderança regional". Trata-se de uma promessa ambiciosa para uma nação que continua a lidar com corrupção endêmica, divisões sectárias e interferência de seus vizinhos, principalmente o Irã. A verdade é que a retirada das tropas do Iraque tem sido uma forte demanda de Bagdá, não apenas do governo, mas também de um segmento significativo da sociedade, especialmente das poderosas milícias pró-iranianas que veem os soldados americanos como uma força de ocupação.
A retirada das tropas do Iraque: da invasão ao aconselhamento
Para entender o peso deste anúncio, é preciso voltar no tempo. A história das tropas no Iraque no século XXI é uma montanha-russa de decisões políticas e consequências sangrentas. Começou com a invasão de 2003, uma guerra baseada em premissas que se provaram falsas e que desmantelou o Estado iraquiano, abrindo uma caixa de Pandora de violência sectária. Após anos de ocupação árdua, houve uma primeira retirada sob o governo Obama, que muitos analistas acreditam ter deixado um vácuo de poder que foi o terreno fértil perfeito para o nascimento do ISIS.
Foi justamente o avanço brutal desse grupo jihadista em 2014, que tomou Mosul, a segunda maior cidade do país, e controlou um terço do território, que forçou o retorno das Forças Armadas dos EUA. Mas, desta vez, o papel era diferente. Não se tratava mais de uma força de combate massiva, mas de uma coalizão internacional liderada por Washington para aconselhar, treinar e fornecer apoio aéreo às forças de segurança iraquianas e aos curdos Peshmerga, que eram a ponta de lança em terra. Esta missão é agora considerada encerrada, pelo menos em sua fase de combate. A ideia é que as forças iraquianas estejam agora suficientemente experientes para lidar a luta contra os remanescentes terroristas.
Um sucesso com asteriscos: o fantasma do ISIS e a influência do Irã
Embora a derrota territorial do "califado" do ISIS tenha sido uma conquista inegável, celebrar um "sucesso" retumbante pode ser prematuro. A organização sofreu uma mutação. Ela não controla mais cidades, mas suas células permanecem ativas em áreas desérticas e montanhosas, realizando ataques de guerrilha, emboscadas e ataques. A grande questão é se o exército iraquiano, sem a proteção da inteligência e do apoio aéreo dos EUA, será capaz de manter a pressão e impedir um ressurgimento.
Mas o outro jogador-chave neste tabuleiro de xadrez é o Irã. A retirada das tropas do Iraque é uma vitória estratégica para Teerã, que vem trabalhando há anos para consolidar sua influência em Bagdá por meio de partidos políticos e milícias xiitas armadas. A pressão desses grupos para expulsar os americanos tem sido constante, especialmente após o assassinato do general iraniano Qasem Soleimani em um ataque de drones no aeroporto de Bagdá em 2020. Esse episódio levou os dois países à beira da guerra e levou o parlamento iraquiano a votar uma resolução pedindo o fim da presença militar estrangeira. A retirada, portanto, também pode ser interpretada como uma concessão de Washington à realidade política iraquiana e à impossibilidade de sustentar um destacamento militar em um ambiente tão hostil.
O novo capítulo: O que significa esta aliança de segurança?
Os detalhes do acordo são cruciais. O fim da "missão de combate" não significa que todos os soldados americanos embarcarão em um avião amanhã. O que está terminando é o papel ativo deles nas operações. No entanto, um contingente, provavelmente menor e de perfil mais discreto , permanecerá no país com funções de "aconselhamento, assistência e compartilhamento de inteligência". É uma mudança de rótulo que, na prática, busca acalmar as águas internas do Iraque sem que os Estados Unidos percam completamente sua posição em um país estrategicamente vital devido ao seu petróleo e localização geográfica.
O próprio Ministro das Relações Exteriores do Iraque, Hussein Allawi, já havia anunciado que o cronograma de retirada seria concluído nas próximas semanas, cumprindo o acordo firmado um ano antes entre Bagdá e Washington. O modelo a ser seguido é uma aliança bilateral de segurança, semelhante à que os EUA têm com outros países da região. Enquanto isso, a situação na vizinha Síria é diferente. Lá, as operações militares da coalizão continuarão pelo menos até 2026, em um cenário muito mais complexo onde, além do ISIS, os interesses da Rússia, Turquia, Irã e do regime de Bashar al-Assad se cruzam. A retirada das tropas do Iraque , em última análise, fecha uma das páginas mais turbulentas da política externa dos EUA nas últimas décadas, mas levanta novas questões sobre o frágil equilíbrio de poder no Oriente Médio.