Condições desumanas no sistema prisional uruguaio
O sistema prisional uruguaio enfrenta não apenas problemas de infraestrutura, mas também uma profunda crise de gestão. Segundo o relatório do comissário parlamentar, o sistema prisional uruguaio reproduz a exclusão social, acumula violência e viola direitos fundamentais. Reformar o sistema prisional uruguaio envolve repensar o modelo sancionatório penal, rever o uso excessivo das prisões e garantir condições dignas para aqueles que cumprem pena.
O documento, redigido no final de seu governo, denuncia a falta de acesso a cuidados médicos, programas de reabilitação ou espaços educacionais por milhares de detentos. Essa situação, alerta Petit, configura um "estado inconstitucional" nas prisões do país, onde a privação de liberdade se torna uma punição que extrapola o sistema judicial.
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Um sistema que reproduz a exclusão e a violência
Além dos muros, o impacto do sistema prisional atinge famílias, agentes penitenciários e comunidades inteiras. Em um país com uma população envelhecida e em declínio, o número de pessoas encarceradas representa um fardo demográfico significativo. Para Petit, o uso excessivo da prisão como resposta penal está ligado a problemas sociais mais profundos, como exclusão, saúde mental e pobreza.
“O uso excessivo da prisão para comportamentos que exigem outros tipos de intervenção é alarmante”, disse o comissário. Em sua opinião, o sistema atual não só falha na reabilitação , como também acumula violência que, por sua vez, reverbera na sociedade.
Falta de recursos e gestão ineficiente
O relatório também alerta para o financiamento do sistema prisional, que "tende a se tornar inviável". As prisões não dispõem de orçamento suficiente para operar com eficiência, o que afeta a saúde pública, a segurança dos cidadãos e a possibilidade de reinserção social. Petit propõe a retirada da gestão prisional da alçada do Ministério do Interior , a fim de ganhar autonomia e eficiência.
"A falta de recursos afeta múltiplas dimensões: direitos humanos, saúde, segurança e a capacidade das pessoas de se reintegrarem", afirma o documento. Segundo o comissário, essa escassez está "vencendo a batalha" contra a sociedade.
Reformas que não são suficientes
Nos últimos anos, apoio técnico, protocolos de atuação e espaços educativos foram incorporados em alguns centros. No entanto, Petit sustenta que esses avanços são insuficientes diante da magnitude do problema. Para reverter a situação, é necessário um acúmulo sustentado de políticas públicas voltadas à integração social .
"O sistema precisa se transformar em uma potência de inclusão, não em uma fábrica de exclusão", afirmou. Para isso, propõe fortalecer os processos socioeducativos e romper o ciclo de violência internamente.

Medidas alternativas e resgate de penas
Uma das propostas mais convincentes do relatório é reduzir o uso da prisão como única resposta criminal. O Uruguai tem duas pessoas encarceradas para cada pessoa em medidas alternativas, enquanto países com sistemas mais inclusivos apresentam a proporção oposta. Para Petit, expandir as sanções não privativas de liberdade é mais eficiente, menos custoso e mais socialmente justo.
Ele também propõe que todos os crimes sejam passíveis de liberdade condicional, mesmo os mais graves. "O Uruguai não tem prisão perpétua. Cedo ou tarde, todos sairão. Eles precisam ter uma luz, mesmo que distante", disse ele. A proposta gerou polêmica, mas Petit insiste que a reintegração deve ser o objetivo central do sistema.
Uma política criminal que necessita de revisão estrutural
O relatório de Petit não apenas denuncia as condições atuais, mas também questiona o modelo de sanção penal vigente no Uruguai . Segundo o comissário, o país historicamente tem usado a prisão como ferramenta de controle, sem avaliar sua real eficácia em termos de segurança, reabilitação e reintegração. "A prisão não pode ser a única resposta ao crime. Precisamos construir um sistema mais inteligente, humano e eficiente", afirmou.
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Nesse sentido, Petit propõe avançar para uma política de justiça criminal que priorize a proporcionalidade, a prevenção e a integração social. Isso implica a revisão do Código Penal, o fortalecimento do sistema de medidas alternativas e a garantia de que as penas privativas de liberdade sejam verdadeiramente excepcionais. Ele também sugere que o Estado assuma um papel ativo na criação de oportunidades para aqueles que se egressam do sistema, garantindo que a reincidência não seja a única saída.