Sanções à Nicarágua: ALBA-TCP denuncia “colonialismo” e defende regime sob escrutínio

por 1º de outubro de 2025

No jogo de xadrez da política internacional, as peças às vezes se movem com uma retórica tão grandiloquente que nos perguntamos se estão falando no mesmo tabuleiro. Esta semana, a ALBA-TCP, a aliança de países com governos de esquerda na América Latina e no Caribe, condenou veementemente a renovação das sanções da União Europeia contra a Nicarágua . A declaração, carregada de pompa épica, fala de "colonialismo anacrônico", "supremacismo" e uma "afronta à dignidade" do povo nicaraguense. Palavras fortes, sem dúvida, mas que nos obrigam a procurar a quinta perna do gato e a nos perguntar o que está por trás dessa teimosa defesa.

sanções contra a Nicarágua

O bloco, que inclui Venezuela, Cuba, Bolívia e a própria Nicarágua, entre outros, descreveu as medidas como "ilegais e arbitrárias". Em sua visão, tudo faz parte de uma "agenda intervencionista" que, combinada com a mobilização militar dos EUA no Caribe, busca isolar governos que não seguem a música de Washington ou Bruxelas. Até aqui, uma narrativa familiar, quase um roteiro. A declaração reafirma "solidariedade irrestrita" com o presidente Daniel Ortega e a vice-presidente Rosario Murillo, o casal que comanda o país centro-americano. No entanto, é justamente nesse ponto que a narrativa começa a ruir.

Um discurso da galeria que choca com a realidade

Enquanto a ALBA-TCP ergue a bandeira da autodeterminação dos povos, a União Europeia justifica sua decisão de uma maneira diferente. Não fala de ideologias, mas de fatos concretos. A UE-27 estendeu as sanções contra a Nicarágua devido à contínua "deterioração democrática" e aos "abusos sistemáticos de direitos" que vêm ocorrendo desde os protestos massivos da oposição em 2018. Essas manifestações, que clamavam por mais democracia e menos autoritarismo, terminaram com centenas de mortos, milhares de feridos e uma onda de exilados.

É aqui que as coisas se complicam ainda mais. As sanções não são um embargo econômico que dificulta o trabalho do cidadão comum ou aumenta o preço da erva-mate e do leite. Não, essas medidas são cirúrgicas, visando indivíduos e entidades específicos. A lista negra inclui 21 indivíduos e três organizações. E quem são eles? Bem, a própria vice-presidente Murillo, vários de seus filhos, assessores próximos do casal presidencial e policiais de alta patente. Eles são acusados ​​de, nada menos, orquestrar a repressão, usar força excessiva, autorizar prisões arbitrárias e até tortura. Esses indivíduos estão proibidos de viajar para a Europa e têm seus bens congelados. Em outras palavras, estão privados de qualquer dinheiro que possam ter no Velho Continente.

Quem realmente sofre com as sanções?

A declaração da ALBA insiste que essas medidas "causam sérios danos ao bem-estar do povo nicaraguense". Mas essa afirmação é, no mínimo, discutível. Como muda a vida de um trabalhador em Manágua se o filho do presidente não pode fazer compras em Paris, ou se um chefe de polícia não pode depositar fundos em um banco em Luxemburgo? Por outro lado, o que parece afetar o bem-estar da população são as políticas internas do regime Ortega-Murillo.

Desde 2018, a perseguição a qualquer pessoa que pense diferente tem sido implacável. Veículos de comunicação independentes foram fechados, universidades foram apreendidas e mais de 3.000 organizações não governamentais, desde grupos feministas a instituições de caridade, foram proibidas. Em uma ação que deixou o mundo perplexo, no ano passado o regime retirou a nacionalidade de mais de 300 opositores e críticos, tornando-os apátridas da noite para o dia e enviando um grupo deles em um avião para os Estados Unidos. Imagine se, por criticar o governo atual, alguém fosse destituído de sua identidade e informado de que não é mais uruguaio ou argentino. É inacreditável.

A situação é tão grave que, em fevereiro deste ano, o Parlamento Europeu foi além e solicitou que altos funcionários do governo nicaraguense fossem investigados pelo Tribunal Penal Internacional por possíveis crimes contra a humanidade. Não se trata de uma acusação menor; é o tipo de acusação enfrentada pelos piores ditadores da história.

Entre a geopolítica e os direitos humanos

Enquanto isso, a defesa da ALBA-TCP parece responder mais a uma lógica de bloco, ao princípio de "hoje para você, amanhã para mim" entre governos com ideias semelhantes, do que a uma análise objetiva da situação. Eles se envolvem na bandeira do anti-imperialismo para evitar condenar as ações de um aliado, por mais indefensáveis ​​que pareçam. É uma estratégia que funcionou para eles para consumo interno, mas que parece cada vez mais frágil diante dos relatórios avassaladores de organizações de direitos humanos.

No fim das contas, enquanto os comunicados diplomáticos vão e voltam, com suas acusações de "intervencionismo" e "colonialismo", quem fica no meio são os nicaraguenses. As crianças sem futuro claro, os jornalistas que não conseguem reportar, os opositores exilados que não conseguem retornar à sua terra natal e as famílias que só querem sobreviver em paz. A solidariedade, para ser crível, deve começar com eles. O resto muitas vezes não passa de palavras vazias.

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