O caso que abala a Argélia: ex-ministro preso por desvio de milhões

por 1º de outubro de 2025

Sete anos de prisão. Essa foi a sentença dada a Tijani Hassan Hadam, que foi Ministro do Trabalho da Argélia entre 2019 e 2020, por um de corrupção envolvendo o desvio de uma quantia exorbitante: quase US$ 45 milhões. A sentença, proferida por um tribunal especializado em crimes econômicos e financeiros, expõe um esquema envolvendo recursos públicos que deveriam ser destinados à previdência social, aos salários dos trabalhadores. Não se trata apenas de uma mudança, mas de uma fortuna que expõe a profundidade das práticas ilícitas que minaram o Estado por anos.

Um golpe no coração do sistema social

Para se ter uma ideia da magnitude, com esse valor, vários centros de saúde de primeira linha poderiam ser construídos ou milhares de famílias poderiam receber alimentação básica por anos. A sentença não só impõe uma pena de prisão, mas também um golpe significativo no bolso do ex-funcionário, numa tentativa de recuperar parte do que foi perdido. A decisão judicial busca estabelecer um precedente em um país que, há vários anos, tenta limpar sua história recente, marcada pelo desperdício e pelo enriquecimento ilícito de uma classe política.

Além da pena de prisão, Hadam deverá pagar uma multa de um milhão de dinares argelinos (mais de 6.500 euros) ao Tesouro Público. Mas o valor mais pesado é a indenização de outros 100 milhões de dinares (quase 660.000 euros) que terá de de Segurança , a mesma instituição de onde saiu o dinheiro. Trata-se de uma reparação simbólica, pois a verdadeira ferida, a da confiança quebrada, demora muito mais tempo a sarar. Este caso é um exemplo claro da corrupção na Argélia que afetou diretamente os recursos destinados aos mais vulneráveis.

Como os fundos foram desviados?

A manobra central investigada pela Justiça foi a compra de um imóvel. Não se tratava de uma despesa qualquer, mas de uma transação imobiliária de grande porte realizada com recursos da Previdência Social, órgão que o próprio Hadam chefiou entre 2015 e 2019, pouco antes de o então presidente Abdelaziz Bouteflika o nomear ministro. Em outras palavras, a acusação alega que ele usou seu poder em uma instituição-chave para desviar dinheiro para um negócio privado. Um esquema clássico de alguém que se sente impune, manipulando recursos públicos como se fossem seus.

O papel da Previdência Social é fundamental em qualquer país: ela fornece recursos para pensões, licenças médicas e seguro-desemprego. O desvio de verbas desse fundo não é apenas um crime financeiro; afeta diretamente o apoio que o Estado oferece aos trabalhadores e suas famílias nos momentos mais vulneráveis. Rouba o futuro daqueles que contribuíram a vida inteira. A investigação demonstrou como a corrupção na Argélia pode se infiltrar nas áreas mais sensíveis do bem-estar social, deixando milhões de cidadãos vulneráveis.

O caso expõe como um alto funcionário, encarregado de zelar pelo bem-estar dos cidadãos, supostamente usou seu cargo para ganho pessoal. Essa prática, infelizmente repetida em diferentes cantos do planeta, gera profunda desconfiança nas instituições e alimenta o cinismo popular. Quando as pessoas veem suas contribuições acabarem no bolso de um político, o pacto social se rompe. Reconstruí-lo é uma tarefa árdua.

Uma rede de cumplicidade: as outras convicções

A decisão judicial deixou claro que Hadam não agiu sozinho. Uma operação dessa magnitude não se realiza isoladamente. O esquema de corrupção na Argélia exigiu uma rede de cúmplices que facilitaram a operação, vindos de diversas posições no Estado e no setor privado, cada um contribuindo com sua peça para o quebra-cabeça criminoso. Portanto, as penas foram estendidas a outras partes envolvidas, demonstrando que a responsabilidade era compartilhada.

O incorporador imobiliário que vendeu o prédio recebeu a mesma pena do ex-ministro: sete anos de prisão . Seu envolvimento foi crucial, pois sem um vendedor disposto, o esquema não teria sido possível. Sua empresa também foi multada em cinco milhões de dinares (cerca de € 33.000), e todos os seus ativos, tanto imóveis quanto contas bancárias, foram confiscados. Uma mensagem clara: o setor privado que se presta a esses esquemas também deve arcar com as consequências.

Os tribunais também miraram a esfera política local. Os ex-prefeitos de Kuba, a cidade de Argel onde o edifício em questão está localizado, foram condenados a quatro anos de prisão e multados em 500.000 dinares (quase € 3.300). Seu envolvimento teria sido fundamental para permitir ou facilitar o processo de compra e venda, suavizando a burocracia para fazer com que a operação ilegal parecesse legítima. Isso demonstra como a corrupção na Argélia não é apenas um problema na alta política, mas também se estende ao nível municipal.

Por fim, o ex-diretor de patrimônio do Estado também foi condenado a três anos de prisão e ao pagamento de 200.000 dinares (pouco mais de 1.300 euros) como indenização por sua participação na validação de uma transação que, segundo o tribunal, era claramente ilegal. As acusações formais eram variadas e graves: desvio de verbas públicas, abuso de poder, concessão de privilégios indevidos e celebração de contratos em violação à lei. Uma combinação de crimes que retrata um quadro de corrupção sistêmica, projetada para drenar recursos do Estado.

O fantasma do Hirak e a "limpeza" judicial

Este julgamento não pode ser compreendido sem o contexto do Hirak, o enorme movimento de protesto pacífico que abalou a Argélia em 2019 e forçou a queda de Bouteflika após vinte anos no poder. Um dos principais slogans dos manifestantes era, precisamente, o fim da corrupção endêmica e a punição dos símbolos desse sistema. O slogan "Fora todos" ressoou nas ruas, exigindo uma reforma completa e o fim da impunidade. O combate à corrupção na Argélia tornou-se uma reivindicação popular incontornável.

Após a saída de Bouteflika, o novo governo, liderado pelo presidente Abdelmadjid Tebboune, lançou uma campanha de "mãos limpas" que levou à prisão dezenas de altos funcionários do antigo regime, incluindo dois ex-primeiros-ministros, Ahmed Ouyahia e Abdelmalek Sellal. Para alguns, esses julgamentos são a prova de que a mudança é real. Para outros, mais céticos, não passam de um acerto de contas entre facções no poder, uma forma de expurgar velhos clãs para dar lugar a novos. A verdade provavelmente está em algum ponto intermediário. O que é inegável é que a pressão social forçou o sistema judicial a agir em casos de corrupção na Argélia que antes estavam arquivados.

A condenação de Hadam faz parte dessa onda de processos judiciais que buscam desmantelar, pelo menos em parte, a estrutura da cleptocracia. No entanto, o desafio continua monumental. Não basta prender algumas figuras conhecidas; é preciso reformar as instituições, garantir a independência do judiciário e criar mecanismos eficazes de controle cívico para que a história não se repita. A corrupção na Argélia é um mal profundo, e sua erradicação exige mais do que sentenças contundentes.

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